Do alto do monte, ele observou pela última vez a destruição que ele próprio causara. Isolou-se. Pegou sua espada e caminhou em direção ao nascer do sol. Pois a escuridão já havia dominado o seu passado. A ventania fazia suas lágrimas deslizarem pelo rosto. E lá, no vilarejo destruído, as lágrimas trazidas pelo vento começaram a cair. O fogo nas cabanas foi apagando. A chuva terminou com o fogo. Mas não acabou com a tristeza do local. Tudo já estava destruído.
No dia seguinte, ele chegou às areias do litoral. Viu os pássaros voarem felizes pelas águas. Queria ter o mesmo privilégio. Olhou para o horizonte do mar e fechou os olhos. Sentiu nos pés a vibração dos passos cadenciados da tropa chegando. O grito da escuridão não o assustou. Ele abriu os olhos e os braços. Olhou para o céu e voou.
Ele defendeu e atacou. Viu o inimigo à sua frente e não titubeou. Com golpes decisivos, aniquilou a escuridão. De repente, o silêncio tomou conta do campo de batalha. Em sua mão, a espada brilhou refletindo a tragédia da vitória. E todos vibraram pela conquista quebrando o silêncio. Ele conseguiu. Lutou e sobreviveu. A Luz reapareceu por entre as nuvens procurando uma alma merecedora. Mas não encontrou nenhuma. Nem mesmo a do guerreiro vitorioso. As nuvens, então, fecharam-se novamente.
Saber ver as coisas na forma como devem ser vistas não é nada fácil. Existem aqueles momentos em que precisamos levar um tapa na cara para podermos entender e aceitar os acontecimentos. Um tapa dói, mas corrige. Uma palavra dura impõe a compreensão e nos endireita. Não há nada mais louvável na vida do que ouvir o que as pessoas tem a nos dizer. É muito bom poder conversar com os vários amores que temos ou que tivemos. Resolver os problemas de uma forma adulta, direta. Usar a razão para corrigir e doutrinar os próprios sentimentos e a emoção. Como é bom ter amigos! Como é bom sorrir! Tudo parece tão complicado no início, mas tudo é tão simples. No final, ser adulto não é tão difícil.
O sol espiou pela janela acordando-o. Os pássaros batiam as asas rodeando a casa da árvore, procurando por alimento. Era um dia feliz para todos, mas para ele o céu limpo estava nublado. Tudo para ele estava ao contrário. Estava esperando que o amor viesse até ele.
Desceu da árvore pela escada improvisada e foi até o lago próximo. Lavou o rosto, respirou fundo e olhou para as montanhas ao longe. As folhas secas depositadas na grama estalavam de dor quando ele caminhava. Para ele, o som parecia ser do seu corpo se desfazendo. Sem forças para subir novamente a escada, sentou-se próximo à árvore e começou a observar a região. Os montes azulados ao fundo, o lago que espelhava os pinheiros do outro lado, a pequena cidade próxima com sua singela, mas imponente cruz da igreja.
Subitamente, ele sentiu alguém tocando no seu ombro. Olhou para trás, mas não viu quem esperava. Era seu amigo de infância que estava muito preocupado.
- E aí, cara. Está melhor?
Com pouca vontade esboçou um sorriso de canto de boca dizendo:
- Estou sim.
O amigo sentou-se ao seu lado e ficou em silêncio, esperando por alguma manifestação otimista. O tempo começou a mudar, nuvens pesadas surgiram nos céus, ventos fizeram tornados com as folhas e a fotografia da região se acinzentou. Seu amigo então falou:
- Está começando a chover, preciso ir para casa. Vê se melhora, está bem? Vou para lá ver como te ajudar. Talvez você precise ficar sozinho, só por agora. Vou ver o que posso fazer por você.
E o amigo foi embora correndo.
A chuva pesada já caía como pedra, mas ele ainda permanecia imóvel sentado ao lado da árvore. Já não sentia mais seu corpo, o frio estava intenso e ele não tinha forças mais para nada. Alguns minutos mais tarde, outra vez, alguém tocou no seu ombro.
Ele sorriu, deu a mão e subiu para sua casa com ela. Lembrou que existia um amigo que o amava, que existia sua família, que tinha uma vida inteira pela frente para sorrir. Ele deu as mãos para a felicidade e o céu novamente se abriu. Ele era amado, só precisou esperar e acreditar no amor e na amizade.
A menina se aproximou da imponente porta da igreja, fez seu ritual e entrou. Procurou um bom local para se sentar. As paredes cobertas de ouro e as imagens religiosas faziam o silêncio ecoar. Mas, pouco tempo depois, um latido simpático de um cãozinho chamou a atenção até mesmo dos santos que estavam ali há muitos anos olhando para o nada. A menina olhou para trás e viu o pequeno animalzinho correr feliz por entre os bancos. O pequeno animal latia tranqüilo chamando a sua dona, uma velha senhora, para se sentar próxima à menina. A senhora ali então se sentou e fechou os olhos para orar. O cachorrinho pulou no colo da menina e balançou o rabinho faceiro. A velha senhora interrompeu sua oração, olhou para a menina e falou carinhosamente:
- Querida menina. Eu não posso mais cuidar do meu pequeno animalzinho. Você é uma boa menina, de uma boa alma. Eu sinto isso. Quero que você cuide dele para mim.
- Eu amo os animais! Mas a senhora tem certeza?
A senhora sorriu e fechou os olhos novamente e para sempre.
O gaúcho chegou a cavalo parando próximo ao galpão. O sol avermelhado desenhava as árvores nas paredes toscas. Lá dentro, a roda de chimarrão já animava o final do dia. Muitos assuntos causaram risadas, mas um estrondo assustador estremeceu as telhas do recanto. Rostos assustados se cruzaram. Todos correram para fora ver o estava acontecendo. Bem próximo, ao lado da porteira que dava acesso ao local, estava um círculo de metal brilhante parcialmente enterrado na terra. Todos se aproximaram, tocaram no objeto, mas não conseguiram identificá-lo. Momentos depois, lá de dentro do galpão, um pequeno gauchinho de três anos de idade correu desajeitado e apontou com o dedinho para um determinado ponto do objeto. Todos convergiram os olhares e notaram uma lua nova desenhada em relevo. Quando o sol se escondeu totalmente por detrás dos montes sutis do horizonte, a lua do círculo começou a brilhar intensamente. Ao redor dela, muitas estrelas começaram a surgir, como se todos estivessem olhando para o céu. O gauchinho começou a pular e a puxar a camiseta de uma senhora apontando para o escuro. Ouviram outro barulho. E mais outro. Olharam para trás e viram a porta de madeira do sótão batendo com muita força. O menino riu. O círculo era um lago e o cavalo continuava a relinchar tranqüilo.
Estão colocando fogo no passado. O homem ficou branco, perdeu o nariz e morreu. As praias começaram a sumir. Eu já não tenho mais paciência para jogar vídeo game. A fumaça da chama das memórias desenha no céu os filmes, as frases, as músicas que hoje não vejo mais. O cheiro do passado se espalhou pelo ar. Não consigo mais respirar. O mundo virou uma fumaça. Fuligens das coisas ruins caem na grama verde, e o passado se dissolve nos ares da atualidade. Ninguém entende o porquê desta fatalidade. É apenas a chama do furuto.
Imerso nas luzes da cidade, ele conduziu o carro vagarosamente pela noite fria. Ao som de sua banda favorita, ficou tranqüilizado. Contornou a rótula de acesso do bairro onde morava e dobrou à direita em direção à sua casa. Poucas janelas ainda brilhavam na sua rua. Quando estava se aproximando, notou algo estranho. A porta da frente estava aberta. Um frio na barriga o fez acelerar o carro e pará-lo imediatamente em frente è casa. Desceu e caminhou cautelosamente até a porta entreaberta. Entrou. No chão, observou passos de barro que iam até o corredor. Seguindo, passou pelo seu quarto, banheiro, cozinha... Mas não percebeu nada faltando. Os passos terminavam na porta de trás. Abriu e fez a volta na casa até chegar novamente na frente. Levou mais um susto. Seu carro havia sumido. Ele colocou as mãos na cabeça e correu para o meio da rua. Olhou para os lados e não viu nada. Sequer ouviu o som do seu carro sendo roubado. A única coisa a fazer seria entrar em casa e ligar para a polícia. Mas ele não conseguiu. A porta estava trancada. Parou, pensou... Correu até a porta de trás, mas ela também estava trancada. Ele ficou sem saber o que fazer. Colocou a mão no bolso, mas realmente havia deixado no carro. De repente o som de uma explosão não muito longe acordou o bairro inteiro. Quando se deu conta já estava no meio da rua, tamanho era o seu susto. Os vizinhos saíram apavorados das casas. Lá ao longe, viu o seu carro pegando fogo. Caminhou até lá. Uma multidão dominou a cena. Ele foi até o carro, mas não havia ninguém lá dentro. De repente, mais uma explosão. Todos olharam para trás. Então ele viu a sua casa em chamas. Logo, ouviu dezenas de tiros e viu seus vizinhos caírem secos no chão. Segundos depois...
O menino caminhava pelo bosque observando tudo em sua volta. Logo, avistou a fruta suculenta em uma árvore de difícil acesso bem próxima a um desfiladeiro. Para alcançá-la, seria necessário subir pelos galhos e correr o risco de cair. Faminto, ele tentou. Agarrou-se na árvore, colocou um pé lá, uma mão cá... Ficou deitado no galho que balançava muito. O vento soprava e o seu coração acelerava. A fruta olhava para o menino parecendo dizer: "Venha, é fácil!". Ele só ouvia o silêncio. Andou centímetro por centímetro.
O galho quebrou.
Já com a fruta na mão, restava apenas observar o chão pedregoso que se aproximava. De repente, uma ave gigantesca o segurou pelos pés em um rasante. Lá do alto, o menino pôde ver o galho se espatifando. Voando velozmente, a ave desviava de árvores, passava por rios, montes... O pássaro perdeu o menino, então, numa clareira e sumiu. O menino se levantou e retomou a respiração. Empunhou a espada, olhou para os lados e continuou a busca pela fruta que salvaria a menina doente do seu vilarejo.
A baiana desceu do táxi com um cigarro na mão e uma bolsa horrível no braço esquerdo. Postou-se ao lado do veículo. Olhou para o nada e acendeu o seu cigarro. Virou-se, colocou os óculos escuros e foi em direção à porta do hotel. Passou pela porta giratória e continuou a caminhar. De repente, percebeu que estava indo em direção ao táxi que acabara de descer. Lá dentro, o recepcionista do hotel ria escalafobeticamente ao vê-la atrapalhada. Irritada, ela correu, seus cabelos se armaram, seu rosto ficou vermelho, conseguiu entrar no hotel e foi raivosa até o homem que ria dela desvairadamente.
Ela explodiu o balcão com uma pancada.
- Qual é o seu problema? – Ela gritou.
Ele não conseguia parar de rir.
- Eu tenho cara de Tiririca? – Continuou.
- É que foi tão engraçado!
- O que foi engraçado?
- Você girou, girou, girou e foi para o lado errado! Parecia um ventilador com esses cabelos!
A mulher jogou o cigarro no chão, apagou-o com o pé, encarou o balconista e falou:
Os dois amigos pularam a cerca de arame, levantando poeira do outro lado. O cachorro latia e babava raivoso. Correram pelas folhas secas até chegarem próximos à ponte que dava acesso à vila em que moravam. Sentaram-se, para descansar, na grama fresquinha, sob a sombra agradável das árvores do bosque.
- Está aqui...
- Quero ver, deixe-me ver!
- Espere, vou limpar!
- Ai, dê-me isso aqui!
Ele correu, limpou-a nas águas do rio e voltou.
- É lindo não é?
- É o meu reflexo.
Levou um soco leve no braço.
A dupla observava encantada a pedra brilhante que acabara de roubar. Era um diamante da mansão. O diamante da casa do velho senhor. A casa era branca, de madeira, cercada pelo bosque. Possuía um ar de mistério, mas era bem cuidada.
A pedra estava guardada no coração da casa Roubaram uma pedra que brilhava. Mas os olhos deles brilhavam mais do que o próprio diamante.
- Peguei vocês!
O velho levantou os dois pelas camisetas e gritou novamente:
- Devolvam-me o que vocês roubaram de mim!
Os dois gritavam de medo do velho, dando passos em falso no ar, nem conseguiam responder. Nem queriam. Estavam com medo, só queriam correr.
O senhor largou-os no chão e o diamante saltou do bolso de um dos meninos.
- O que é isso! Além de tudo roubaram o meu diamante! Isso não levará vocês dois a lugar nenhum! Eu tenho muito dinheiro, mas não tenho o mais importante. Não tenho mais esse brilho que vejo nos olhos de vocês, jovens. Olhos de pessoas sonhadoras, que ainda acreditam em um mundo que valha a pena. Eu não estou atrás do diamante. Se quiserem podem ficar! O que eu quero é a felicidade. A inocência, os sonhos que não realizei! Tive muitas pedras no caminho. Eu quero o brilho da minha vida de volta.
Em certos momentos, as pessoas tem ideias um pouco malucas. O menino desceu a ladeira freneticamente, pedalando como se quisesse voar. Usava duas asas nos braços, feitas de lençóis e de madeira leve. À frente, existia um rio com uma tábua formando uma ponte improvisada. E o menino pedalou, pedalou... A tábua rodopiou e saltou dois metros de altura, caindo, depois, nas águas profundas... Ele conseguiu passar. Largou a sua bicicleta em frente ao casebre e bateu na porta. Insistiu... Ninguém deu sinal de vida. Tentou espiar pela janela, mas o reflexo não permitia revelar nada do que se passava lá dentro. Ergueu os braços: “Ai dento!”. Reforçou: “Essa porta, um dia, eu arrebento”. Ao voltar, caiu na vala.